O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Ministério Público (MP) e proibiu a queima da palha para o preparo da colheita da cana-de-açúcar na região de Jaú (47 quilômetros de Bauru), que inclui, além do município, Bocaina, Itapuí e Mineiros do Tietê. A Associação dos Plantadores de Cana da Região de Jaú (Associcana) informou que recorreu da decisão por entender que uma interrupção abrupta poderá afetar os produtores.
A decisão do STJ atende a pedido feito pelo então promotor de Justiça do Meio Ambiente de Jaú, Jorge João Marques de Oliveira, em 2007, nos autos de ação civil pública ajuizada contra a Fazenda Pública Estadual.
Todos os anos, no período da safra da cana, que vai de maio a novembro, agricultores, usinas e destilarias daquela região utilizam o fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e colheita da cana, prática que, de acordo com o MP, acarreta graves danos ambientais.
A ação foi julgada parcialmente procedente em primeira instância e o Estado foi obrigado a deixar de conceder novas autorizações de queimadas nos canaviais da comarca de Jaú e a anular administrativamente todas as autorizações já concedidas para a queima de canaviais, sob pena de multa.
A Fazenda Estadual e a Associcana, admitida na condição de assistente, recorreram da decisão e a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJ) reformou a sentença, considerando que o ordenamento jurídico admite a prática, que é tolerada no Estado de São Paulo, e sustentando haver incerteza de que a queimada cause degradação ambiental e malefícios à saúde do homem.
O MP impetrou recurso especial no STJ. Nesse recurso, o promotor de Justiça Luiz Antonio de Souza e a procuradora de Justiça Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira sustentaram que a decisão do TJ desconsiderou o artigo 225 da Constituição que, em seu parágrafo 3º, dispõe a obrigatoriedade da sociedade e do Estado prevenirem danos ambientais e que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, à obrigação de reparar os danos causados.
Argumentaram, ainda, ofensa à Lei 6.938/81, que define como poluidor toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental e obriga o poluidor a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, incluída a obrigação de paralisar a atividade lesiva ao meio ambiente.
“A lei Estadual nº 10.547/00, ao autorizar o emprego de fogo nas atividades agropastoris, ou seja, as queimadas nas plantações de cana-de-açúcar, prática essa que afronta severamente a higidez ambiental, colide de forma inequívoca com os mandatos constitucionais e infraconstitucionais, que não dão guarida a quaisquer atividades poluidoras”, diz o recurso.
O MP também sustentou que a queima da palha da cana, além de causar a matança de animais, provocando a quebra do ciclo animal, causa danos ao meio ambiente, à saúde das pessoas, atingindo inclusive a flora e a fauna, “visto que a mera alteração da qualidade do ar com a prática das queimas, por si só, é suficiente para alterar o meio ambiente”.
Segundo o MP, a consequência natural dessa prática é a liberação de material particulado e de vários gases nocivos à saúde, entre eles o monóxido de carbono e ozônio. “Daí porque se afigura incontestável que a queima da palha da cana-de-açúcar é ilegal, danosa ao meio ambiente, além de prejudicar efetivamente a saúde das pessoas”, traz a decisão.
No julgamento do recurso especial, o STJ acolheu os argumentos do MP e manteve a sentença de primeira instância, proibindo a queima da palha da cana em Jaú.
No acórdão, o ministro relator Humberto Martins destaca que “o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente”.
De acordo com o acórdão, “ainda que se entenda que é possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana-de-açúcar em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento, com a implementação de medidas que viabilizem amenizar os dados e a recuperar o ambiente”.
Interrupção abrupta
Em nota, a Associcana e o Sindicato Rural de Jaú informaram que já recorreram da decisão junto ao próprio STJ. Os produtores alegam que não podem parar repentinamente a prática e argumentam que, pela legislação estadual, eles têm até 2014 para eliminar o fogo nos canaviais.
De acordo com o presidente da Associcana, Eduardo Vasconcellos Romão, o cenário envolvendo o plantio da cana-de-açúcar hoje é diferente de quando a ação civil foi ajuizada pelo MP. “Hoje, nós temos 60% de toda a área mecanizada, entre área própria de usinas e áreas de fornecedores”, diz.
“Durante esses anos, houve a adesão ao Protocolo Verde, tem uma normativa e leis no Estado que arregimentam esse assunto e nós estamos seguindo à risca. Em 2014, nas áreas mecanizadas, estará extinto o fogo, quer dizer, praticamente mais dois anos e, em 2017, nas áreas não mecanizadas”.
Romão ressalta que os produtores precisam desse tempo restante até o prazo para a mecanização de 100% das lavouras para se adequarem à nova situação, sobretudo em relação a compra de maquinário e adaptação das áreas de trabalho. “Uma interrupção abrupta dessa compromete toda a nossa região”, declara.
Fonte:JCNet