O Ministério Público Federal, em Guarulhos, denunciou 41 estrangeiros, a maioria deles nigerianos, por tráfico internacional de drogas. Eles fazem parte de uma sofisticada rede de tráfico, composta por sete diferentes células interligadas, que foram identificadas durante os dois anos de investigação que culminaram na Operação Conexão Remota, realizada no dia 19 de julho. Todos os denunciados estão presos e responderão, na medida de suas participações, pelos crimes de tráfico internacional de drogas, associação criminosa e financiamento do tráfico.
No total, foram oferecidas à Justiça Federal oito diferentes denúncias. Cada uma delas revela os detalhes da atuação de cada quadrilha identificada na fase de investigações. As denúncias são assinadas pelos procuradores da República Thiago Lacerda Nobre, Uendel Domingues Ugatti e Fabrício Carrer, de Bauru.
A organização nigeriana começou a ser investigada em outubro de 2010, quando uma marroquina foi presa no Aeroporto Internacional de Guarulhos transportando 4.784 gramas de cocaína. Ela deveria embarcar num voo internacional com conexão em Amsterdã, na Holanda, e teria como destino final Casablanca, no Marrocos.
A partir de informações passadas pela marroquina, inclusive com a identificação do nigeriano que a contratou, foram autorizadas interceptações telefônicas que revelaram a forma de atuação da quadrilha. Como a maior parte das conversas eram realizadas em igbo, um dialeto nigeriano, a Polícia Federal contou com a cooperação do DEA (Drugs Enforcement Administration). “O DEA realizava a tradução do igbo para o inglês e, posteriormente, a Polícia Federal fazia a tradução do inglês para o português”, explicou Nobre.
As investigações revelaram que os laços de sangue e a aparente “blindagem” da língua eram usadas pelos nigerianos como forma de fortalecer o trabalho do grupo. Eles participavam de todas as etapas do “negócio”, desde a compra da cocaína em países da América do Sul, recrutamento e orientação das “mulas”, corrupção de agentes públicos e remessa de valores para o exterior. Havia, inclusive, uma preocupação de orientar as “mulas” sobre como deveriam se comportar para não levantar suspeitas nos aeroportos.
Durante as investigações foram presas em flagrante 34 “mulas” e apreendidos mais de 70 quilos de cocaína. Para não levantar suspeitas, as “mulas” tinham diversas nacionalidades e eram aliciadas em países da Europa, Ásia e Brasil. Elas ganhavam entre cinco e oito mil dólares por cada viagem, em que transportavam cocaína escondida em bagagens, coladas ao corpo ou em forma de capsulas, que eram engolidas.
A atuação dos nigerianos no Brasil era considerada estratégica, pela facilidade de acesso às drogas. “O ingresso de cocaína é facilitado pelos milhares de quilômetros que formam as fronteiras brasileiras com os maiores produtores mundiais de droga (Peru, Bolívia e Colômbia)”, reconhece a denúncia do MPF.
Lucro
Os nigerianos denunciados não possuem bens, móveis ou imóveis, registrados no Brasil. Segundo as investigações, o lucro obtido com a exploração do tráfico internacional de drogas era enviado ilegalmente para a Nigéria, onde investiam principalmente no mercado imobiliário. Num período de 75 dias um único investigado movimentou quantia superior a três milhões de dólares. Há registros de que foram realizadas mais de 850 remessas ilegais de dólares para o exterior.
Apesar da alta lucratividade do tráfico, os nigerianos mantinham total discrição quando atuavam no Brasil. Moravam no centro da cidade ou em bairros afastados. “A simplicidade era uma forma de ocultar suas identidades, se dispersarem na multidão”, avalia Nobre.
Durante o cumprimento dos mandados de prisão, os policiais federais e integrantes do MPF se surpreenderam com a quantidade de celulares e chips apreendidos com os acusados. “Em alguns casos foram encontrados, na posse de uma só pessoa, mais de 10 celulares e chips, o que demonstra a preocupação da quadrilha em encobrir as atividades ilícitas”, contou Nobre.
Prisão
No dia 19 de julho, a Polícia Federal cumpriu 39 mandados de prisão. Os integrantes da quadrilha ainda estão em prisão cautelar, mas o MPF pede para que essa prisão seja transformada em preventiva e que todos aguardem o julgamento na prisão.
Entre os estrangeiros presos, muitos já foram condenados por tráfico de drogas. Mas a identificação dos antecedentes criminais não foi tarefa fácil, já que muitos deles usavam nomes falsos. “Um dos presos mantinha o documento de identidade e uma quantia em dinheiro escondido em um saco, atrás da cama, prontos para serem utilizados numa eventual fuga”, revelou Nobre.
Para o MPF, a liberdade dos nigerianos pode comprometer o curso da ação. Há risco de que eles fujam do país ou tentem ameaçar testemunhas. Além disso, as investigações demonstraram que eles podem ser perigosos. Em pelo menos uma das escutas telefônicas foi registrada ordem para que uma “mula” que perdeu a droga que transportava fosse eliminada.
Jcnet