Soldas e circuitos elétricos não costumam ser brinquedos de criança, mas para os alunos da 5ª série da escola municipal Tancredo Almeida Neves, em Ubatuba, esses materiais garantem uma diversão única: construir um satélite de verdade. O grupo está montando um pequeno equipamento com quase 20 centímetros que vai entrar em órbita em novembro, com a ajuda do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O projeto é uma ideia do professor de matemática Cândido Oswaldo de Moura, inspirado em uma reportagem sobre os "TubeSats", kits para a criação de satélites “pessoais”, desenvolvidos pela empresa Interorbital Systems, nos Estados Unidos.
“Entrei em contato com a empresa em março de 2010. Eles ficaram entusiasmados com o fato de jovens de 11 anos poderem construir um satélite. Mas me avisaram que eu precisaria de uma equipe técnica e de dinheiro”, lembra Moura.
A solução veio em duas etapas. Primeiro, o professor entrou em contato com o Inpe e conseguiu fazer uma parceria com a instituição.
“A burocracia demorou uns meses, mas agora nós [os professores] fomos até o instituto para receber treinamento e estamos supervisionando as crianças aqui.” Já o material foi obtido por US$ 8,6 mil, valor pago por comerciantes da cidade.
“Tancredo 1”
Pesando apenas 750 gramas, o satélite receberá o nome de “Tancredo 1” e será composto por cinco placas. A energia será garantida por células fotovoltaicas, que envolvem todo o cilindro (veja foto ao lado). Há ainda um espaço dentro do satélite que pode ser usado para pequenos experimentos científicos no espaço.
“É como se a gente mandasse um robozinho nosso ao espaço”, brinca o professor.
O equipamento deve ficar alguns meses em órbita, girando a Terra a 310 quilômetros de altitude. A essa distância, o satélite não irá virar mais um entulho no espaço e deverá queimar na atmosfera ao ser atraído aos poucos pelo planeta.
O lançamento está previsto para novembro de 2011 e será feito nos Estados Unidos.
Gosto por ciência
Logo na entrada, a escola mostra a inclinação para a astronomia, com um planetário dominando o pátio central. Em uma das salas, as crianças dividem-se entre soldas, placas com cobre, desenhos em papel e até ferro de passar, para marcar os circuitos nas placas antes da corrosão.
O cotidiano dos jovens é marcado por atividades diárias, muitas delas voltadas à soldagem de componentes em circuitos elétricos. As crianças são auxiliadas todos os dias pelas professoras Patrícia Patural e Mariléa Borine D’Angelo.
Com uma placa nas mãos, David Lemos Junior, de 11 anos, mostra intimidade com os componentes. “A placa não pode ficar com nenhum defeito, o circuito pode não se fechar e as coisas não vão funcionar se isso acontecer”, explica o aluno, que pode colocar em prática o gosto pela ciência, fora do ambiente entediante da sala de aula comum. “Sempre gostei, sempre quis ser cientista.”
Mais falante que os demais, Marcelo Angelo da Silva Filho explica com orgulho o trabalho de precisão que os alunos precisam enfrentar em placas-teste, como preparativo para a montagem final do satélite. “Eu já tive de soldar a mesma peça até 15 vezes até acertar. Soldar é difícil e a peça não pode ter erros.”
“A gente tinha dúvidas. Será que a gente, com 11 anos, vai conseguir fazer um satélite?”, lembra a aluna Sarah Barreto. Já Augusto Patrick, que reclama da dificuldade para soldar materiais, descobriu o gosto pela ciência ao entrar para o grupo. “Eu não gostava dessas coisas, mas agora eu sempre fico lendo em casa. Descobri isso no projeto.”
A princípio, 108 crianças estavam no projeto. Algumas desistiram, mas entre as que ficaram o sentimento é de que, aos poucos, o projeto fica cada vez mais real. “No começo, eu achei que fosse uma brincadeira do professor. Agora eu estou mais confiante, acho que a gente vai conseguir. É uma chance única para aprender”, afirma Sarah.