R$ 37 milhões. Este é o valor estimado que o agronegócio brasileiro viu ir por água abaixo com a interdição das atividades de transporte de carga em alguns trechos da hidrovia Tietê-Paraná na safra 2013/2014. A estiagem prolongada e o aumento da geração de energia nas usinas hidrelétricas de Ilha Solteira e Três Irmãos em detrimento da navegação são apontadas por especialistas como as principais causas da paralisação, que se arrasta desde maio. O transporte teve que ser feito majoritariamente por rodovia, cujo frete é mais alto. “Tivemos períodos de estiagem prolongada em outros anos, mas com menos intensidade”, explica Renato Pavan, Presidente do Conselho de Logística e Infraestrutura da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
A navegação foi suspensa apenas em alguns trechos do trajeto de 2,4 mil quilômetros, como entre o km 128 do reservatório de Três Irmãos e a eclusa inferior de Nova Avanhandava, em Buritama (SP). Mas foi o suficiente para fazer o volume médio anual de cargas transportadas, especialmente soja, farelo e milho cair de 2,5 milhões de toneladas para 500 mil toneladas.
“Essa interrupção acabou por desarticular tudo o que já vinha sendo feito em termos de transporte hidroviário na região”, afirma Edeon Vaz Ferreira, Diretor Executivo do Movimento Pró-Logística, da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). Luiz Fernando Horta Siqueira, presidente do Sindicato dos Armadores do Estado de São Paulo concorda. Para ele, a situação afeta diretamente a credibilidade do transporte hidroviário como uma alternativa viável. “Muitos produtores e empresas, na hora de fazerem o planejamento da safra colocarão a hidrovia como uma incerteza”, diz.
Ferreira explica que as cargas não deixaram de ser escoadas até o porto porque as tradings responsáveis pelo transporte acabaram por desviar o que seria levado de hidrovia para a rodovia. “Isso acabou gerando um aumento do custo de transporte da ordem de 30% para os carregadores, em um momento de baixo preço das commodities. Uma hora esse custo será repassado ao produtor”, explica.
A Eldorado Celulose, com fábrica em Três Lagoas (MS), está às margens da hidrovia. Colocou seu plano de emergência em funcionamento. Em nota, a companhia afirmou que utiliza sistemas multimodais hidro-rodo-ferroviário para transporte de madeira e celulose. “Prevendo a atual situação dos níveis de água da hidrovia Tietê-Paraná, a empresa desenvolveu em janeiro um plano de contingência, que está em execução desde maio”. Segundo a companhia, “essa alteração temporária não reflete na produção e entrega da celulose nacional e internacionalmente que segue sem interrupções”.
Já a Caramuru sentiu os impactos da seca. A companhia possui uma fábrica em São Simão (GO) às margens da hidrovia, de onde saem carregamentos constantes de soja processada rumo a Pederneiras (SP) e de lá via ferrovia até Santos. Em agosto, a empresa estudava a viabilidade de acionar a justiça contra os danos sofridos pela paralisação da hidrovia. Procurada, a companhia não concedeu entrevista. Pavan, da Abag, explica que a entidade considera pertinente a decisão da Caramuru, que é pioneira no uso da hidrovia para o transporte de commodities. Segundo ele, o custo médio para transportar grãos de São Simão a Santos via rodovia é da ordem de R$ 101 a tonelada. “Por hidrovia transbordando para a ferrovia em Pederneiras é de R$ 86 por tonelada, ou seja, a diferença é de R$ 15 por tonelada”.
Para as empresas de navegação, a paralisação da hidrovia resultou em receita zero. “Muitas delas acabaram demitindo. Estimamos que aproximadamente mil postos de trabalho foram fechados por causa da seca na hidrovia”, calcula Siqueira. Algumas empresas que fazem o transporte via ferrovia, como é o caso da MRS Logística, também foram afetadas pela seca. Em nota, a companhia afirmou que o impacto da estiagem sobre a operação ferroviária pôde ser contornado. “Temos certa flexibilidade na alocação dos recursos, o que de fato ocorreu, neste período de redução da demanda. Então, concretamente, nos resta aguardar melhores condições para a Hidrovia, com a consequente retomada do volume”.
Siqueira explica que desde maio o Sindicato dos Armadores vem se reunindo com os principais órgãos dos governos estadual (responsável pela gestão da Hidrovia Tietê-Paraná) e também o Federal em busca de soluções conjuntas para a situação. “Há a perspectiva de que a situação volte ao normal a partir de janeiro, com o aumento da vazão em alguns trechos”, explica Siqueira. Procurada, a AHRANA – Administração da Hidrovia do Paraná não se pronunciou.
Já o Ministério dos Transportes, embora não seja o responsável pela gestão da hidrovia, afirmou, por meio de nota que em recente reunião realizada na Agência Nacional de Águas (ANA) houve a proposta de realizar um teste operacional nos reservatórios de Ilha Solteira, Jupiá e Porto Primavera. Um dos objetivos é diminuir a defluência na usina de Ilha Solteira e aumentar o nível do reservatório, bem como avaliar as condições ambientais da ação. “A intenção é aumentar o volume de água do reservatório de Ilha Solteira e através do canal Pereira Barreto e permitir o aumento do nível de água no trecho mais crítico no rio Tietê”.
Globo Rural