"No meu mundo de bebedeira, eu não olhava a minha volta. O mundo parece que era só meu e eu não prestava atenção se havia alguém triste ou não. Pra mim, era a mesma coisa. No meu caso, quando eu bebia, o mundo era meu e de mais ninguém."
O relato de um homem que prefere não se identificar e que está em tratamento contra o alcoolismo atesta uma pesquisa da equipe de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da USP, que aponta que dependentes alcóolicos têm a inteligência emocional afetada. Segundo a psicóloga e pesquisadora Mariana Donadon, o grupo que participou do estudo apresentou dificuldades para reconhecer emoções no rosto das pessoas, característica que os impossibilita de ter reações adequadas ao ambiente.
O estudo feito em Ribeirão Preto (SP) analisou pacientes em tratamento ambulatorial contra o álcool no Hospital das Clínicas (HC) e voluntários saudáveis. Em computadores, foram exibidas imagens de pessoas com diferentes expressões no rosto para que todos pudessem identificar as emoções e nomeá-las como alegria, tristeza, raiva, surpresa, medo ou nojo.
De acordo com a pesquisadora, o índice de erros foi maior entre os dependentes de álcool, que também levaram mais tempo para fazer o reconhecimento, ao contrário do grupo saudável, que não consome bebidas alcóolicas.
“A habilidade de reconhecer expressões faciais de emoção é uma habilidade inata. Isso significa que a gente nasce com essa capacidade de reconhecer as expressões faciais de emoção básica. Os dependentes de álcool em algum momento perdem essa habilidade”, afirma.
Segundo Mariana, a perda pode levar a prejuízos na vivência, uma vez que essas pessoas ficam mais vulneráveis ao comportamento de terceiros.
“Se eu não reconheço adequadamente uma face de raiva, tenho maior chance de me engajar num comportamento de brigas, por exemplo. Se eu não reconheço adequadamente uma face de tristeza, eu não consigo mudar o que está inadequado no meu ambiente.”
O estudo apontou ainda que pessoas envolvidas com álcool têm mais histórico de traumas emocionais precoces ocorridos na infância, como abuso físico ou emocional, do que pessoas saudáveis. Segundo a pesquisadora, esses fatores podem servir de gatilho para o desenvolvimento da doença, uma vez que a bebida serve como válvula de escape.
“Avaliamos aí a presença de sintomas de depressão e de ansiedade. São como morbidades muito comuns nesse grupo”, diz Mariana.
A conclusão deve embasar novas pesquisas a respeito do tratamento indicado a pacientes alcóolatras, na atuação da prevenção e da promoção da saúde.
“Se existem variáveis que são fator de risco para o início ou manutenção do consumo de álcool, elas são importantes para serem consideradas num tratamento de álcool, seja ele medicamentoso ou psicoterápico.”
G1