O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), introduzido na Constituição Federal pela Emenda nº 45/2004, como órgão do Poder Judiciário, tem sua competência fixada § 4º, do art. 103-B, da Constituição Federal, dentre outras: (..) III – “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”. Tanto o Poder Judiciário, como o Serviço Extrajudicial, sempre foram fiscalizados pelas Corregedorias Gerais e Corregedores Permanentes, que no linguajar jurídico mais escorreito, essa fiscalização se dá em ambiente administrativo e não tem caráter jurisdicional.
Certo é que, tanto desembargadores, juízes, notários, registradores, nesse ambiente administrativo, por disposição Constitucional, tem o direito ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Mas, enfatizo, que as decisões, por mais duras que possam ser, desse órgão Censório – ou desses órgãos Censórios – CNJ, Corregedorias Gerais e Corregedorias Permanentes, não excluem que suas decisões possam ser levadas ao Poder Judiciário – stricto sensu – ou seja, para a formação de uma discussão em outro ambiente – o jurisdicional – que irá prevalecer ao julgamento administrativo (Art. 5º, inciso XXXV da CF/88 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).
No Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, interposto pela Associação de Direito de Família e das Sucessões - ADFAS, no qual requereu a proibição das lavraturas de escrituras públicas de “uniões poliafetivas” pelas serventias extrajudiciais do Brasil, o CNJ decidiu, num placar de 8 a 5, pela proibição da lavratura do Ato, pelos Tabelionatos, de uniões poliafetivas, formadas por três ou mais pessoas, em escrituras públicas. Esse pedido de Providências, foi em razão de lavraturas de Escrituras de união poliafetivas pelo 3º Tabelionato de Notas de Protestos de São Vicente e Tabelião de Notas e Protestos de Tupã, ambos do Estado de São Paulo.
A maioria dos conselheiros considerou que esse tipo de documento atesta um ato de fé pública e, portanto, implica o reconhecimento de direitos garantidos a casais ligados por casamento ou união estável – herança ou previdenciários, por exemplo.
O Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional, em seu voto, como relator do Pedido de Providências manifestou-se “eu não discuto se é possível uma união poliafetiva ou não. O corregedor normatiza os atos dos cartórios. Os atos cartorários devem estar em consonância com o sistema jurídico, está dito na lei. As escrituras públicas servem para representar as manifestações de vontade consideradas lícitas. Um cartório não pode lavrar em escritura um ato ilícito como um assassinato, por exemplo”,
A Ministra Cármen Lúcia, Presidente do STF e do CNJ, fez uma ressalva para delimitar o objeto da discussão. “O desempenho das serventias [cartórios] está sujeito à fiscalização e ao controle da Corregedoria Nacional de Justiça. Por isso exatamente que o pedido foi assim formulado. Não é atribuição do CNJ tratar da relação entre as pessoas, mas do dever e do poder dos cartórios de lavrar escrituras. Não temos nada com a vida de ninguém. A liberdade de conviver não está sob a competência do CNJ. Todos somos livres, de acordo com a constituição”
O cerne da questão, é única e exclusivamente – ao menos por enquanto – a proibição da lavratura do Instrumento Público de União Poliafetiva, sem que isso implique, de qualquer maneira, que as pessoas não possam se unir da forma que desejarem, sem interferência do Estado, das religiões ou de quem quer que seja. Exatamente por isso, com todo o respeito ao CNJ e a Corregedoria Nacional, discordo, completamente do decidido, ainda que tenha que cumprir a decisão administrativa. A evolução das relações interpessoais está em dimensão outra que não é a decidida pelo CNJ.
A divergência parcial, na decisão, foi aberta pelo conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, que teve os cinco votos, acima mencionados Para Corrêa da Veiga, “escrituras públicas podem ser lavradas para registrar a convivência de três ou mais pessoas por coabitação sem, no entanto, equiparar esse tipo de associação à união estável e à família”. Aí sim, estou de acordo.
O conselheiro Luciano Frota, que não obteve adesões no Plenário. Frota votou pela improcedência do pedido e, portanto, para permitir que os cartórios lavrassem escrituras de união estável poliafetiva.
A decisão ainda não foi publicada, na sua integra. Vamos aguardar. Mas, tenham a certeza, num futuro próximo, decisões judiciais e o Supremo irá decidir pela autorização das uniões poliafetivas. Só aguardar.