Ibitinga, Quinta, 10 de Outubro de 2024
REMINESCÊNCIAS

  Acho que estou ficando muito cansado. Ler e escrever me dão grande prazer. Entretanto, gostaria de escrever coisas amenas, agradáveis, que ao invés de ficar sem dormir com as notícias, gostaria de ler algo alegre, ouvir notícias agradáveis, tais como que a economia do Brasil vai melhorar muito. Que não haverá desemprego. Que seremos, todos os dias felizes. Deixei de assistir os jornais televisivos e parei de assinar um jornal. Ainda assino outro e revistas, para não virar um ermitão (que delícia). Por isso – hoje resolvi escrever um pouco sobre pessoas que fizeram parte da minha vida, me foram importantes, embora não sinta saudades, porque elas não voltariam a me dar, a alegria que me deram em ter compartilhado com elas, parte importante da minha vida.

    Falar do Supremo – de Suas Excelências os Ministros; dos políticos em geral, está cansativo. Vou tentar ser mais ameno, sem deixar – de falar a verdade, sempre.

   A expectativa de vida nos anos 1970 era de 52,6 anos. Nos anos 1960 era de 48 anos. Hoje é de 78,4 anos de idade, no estado de São Paulo.  Espero que chegue aos 120 anos, logo. A previdência não suportará, mesmo com tantas reformas e mais reformas. Também vou me reformando, um médico aqui, outro acolá. Um medicamento para isso, outro para aquilo. Daqui a pouco as peças de reposição acabarão e a vida, como natural, um dia será ceifada pela desonestidade da morte, que nos pega desprevenidos e com aquela foice. Sem chance de defesa. Podia – ao menos – dar uma proseada, fazer repensar alguma coisa, dar uma chance, mínima que fosse. Que nada!  Vem e já vai mandando a gente embora. Viver valeu a pena.? Como versou o poeta Fernando Pessoa, “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

   Imaginem que tive a grande felicidade em conviver com meus bisavôs, nos anos 1960 e 1970. Tanto paternos, quanto maternos. Falar da família me é caríssimo. Gosto muito da privacidade e, evidentemente, não vou escancarar a vida nos meus antepassados. Vou falar um pouco dos bisavôs paternos, naquilo que me parece pertinente.

   Minha bisavó (Regina Ciccotti Luciani), natural de Udine, província do mesmo nome, na Itália, nasceu em 1879. Partiu dessa, para a outra, em 1968, aos 90 anos.

   Meu bisavô (Luiz Luciani), era natural de Comacchio, província de Ferrara, também Itália, onde nasceu em 1875. Ele construía barcos. Eu não entendia o porquê, até ver Comacchio, próximo a Veneza. Imagino que a navegação devesse ser alguma coisa muito importante, para ele e a família, na Itália.

   O que interessa, aqui, principalmente, é a idade longa que tiveram, naquela época, e a forma de vida que tiveram. Uma vida humilde, franciscana, repleta de problemas domésticos, mas, sempre superaram, com parcos recursos financeiros. Fui agraciado, como são os que conseguem conviver com ao menos duas gerações anteriores. Conseguem compreender as dificuldades e, com elas tomar força e vigor. Navegar é preciso, viver, não é preciso, como disse o mesmo Fernando Pessoa, no sentido de que navegar é uma ciência exata, necessário uma rota definida, uma ciência exata, enquanto viver é algo extremamente passageiro, frágil e terrivelmente inesperado, como já falei acima.

   Convivi mais com meu bisavô. Ele era marceneiro, profissão que admiro muito, até hoje. Tinha uma belíssima bancada e muitas ferramentas e os arcos de serras (não tinha máquinas elétricas). Tenho um baú, fabricado por ele, que não tem pregos, só encaixes. Imagino que ele era, um excelente profissional. Construiu um grande barco, cuja foto ficava na parede da sala, de sua casa, na 13 de maio. Comentavam, sempre, do trabalho para levar aquela enorme barcaça para a água. Meu avô dizia que força era para os ignorantes e vivia arrastando as coisas com pequenos roletes de madeira e alguns panos (sacos de estopas). Partiu em 1971, aos 96 anos. Meus bisavôs paternos, para a época, tiveram uma vida extremamente longeva e fui agraciado em poder conviver com eles. 

   Meu bisavô Luiz vivia no seu grande quintal ou na bancada de marceneiro. Logo após o farto café da manhã (ovos a poché, pão sofado – da Padaria Moderna – meia xícara de café, completada com pinga – das boas), lá ia ele. No entremeio do café e o almoço não fazia nenhuma refeição, pois logo às 11hs estava sentado na cabeceira da mesa, esperando que minha bisavó ou suas filhas, Elvira (minha avó) ou Alzira (tia), colocassem a mesa. Minha tia Alzira foi grande costureira. Seu atelier era, para a época, bem completo. Tinha até um rádio, para as clientes ouvirem aquele chiado característico das ondas curtas.

Por razões familiares, minha avó e minha tia Alzira viviam na casa do meu bisavô, bem como – todos os agregados. Ele foi um grande homem. Um olhar seu, era um livro inteiro para quem o rodeava. Pouca prosa. Sempre me pareceu ateu, mas, sinto que não era. Acho que era agnóstico - um agnóstico pode ser ateísta (não consegue provar a existência do deus nem acredita nele) ou teísta (não consegue provar a existência do seu deus, mas admite a possibilidade de ele existir). Tanto que no seu leito de morte clamou pela divindade.  Longe dos seus 80 anos e eu moleque, ele queria ensinar-me exercícios físicos, os quais ele fazia e, eu na adolescência, já não tinha a mesma elasticidade dele. Como – nós jovens – ficamos velhos, perto de pessoas como meu bisavô.

   Minha bisavó, parecia uma monja. Era linda pelos seus traços extremamente marcados pela idade.  Delicada. Sua voz era firme e sensata, mas, se calava completamente na presença do meu bisavô. Era vivia rezando o pai nosso, em italiano, sua língua mãe. Falavam o furlanetto (dialeto), salvo engano, que ninguém entendia (por isso, pouco sei italiano, apesar da convivência que tive com eles). Nem o “Padre nostro” que minha bisavó vivia a orar, consegui aprender. Engraçado que para meus bisavós, avó, tias e o tio, todos mereciam um apelido, que só eles sabiam (e davam o significado) e ao se referirem à pessoa, falavam no dialeto ininteligível, para mim.

   Acho que tinha e ainda tenho, muito do ceticismo do meu bisavô, de quem só ouvimos o nome do Altíssimo, na hora da morte; sem comparações, longe delas, mas qual o Cristo, que invocou o nome do Pai, na undécima de sua hora. Em sua quarta palavra: “Eloí, Eloí, lama sabactani? (Deus, meu Deus, por que me abandonaste?)" (Mateus 27:46 e Marcos 15:34).

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